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terça-feira, 30 de agosto de 2011

ESTRUTURA METAFÍSICA DO ENTE

A metafísica estuda as diversas modalidades de entes que se dão no universo. E entre elas, destacam-se os acidentes e a substância, que são os modos fundamentais do ser (os predicamentos) aos que podem reduzir-se toda a realidade criada. Quer dizer, nas coisas há (existe) um substrato permanente e estável, a substância, e umas perfeições secundárias e mutáveis, que são os acidentes.

Esta breve diferenciação é suficiente para advertir a diferença entre o que é substância, e, o que é acidentes, bem como, o modo, pelo qual, ambas as modalidades _ substância e acidentes _ se relacionam, sendo uma em si mesma e outra dependente de um sujeito.

Pode-se considerar a substância como aquela realidade a cuja essência ou natureza lhe convêm ser em si e não em outro sujeito. É um ente que é em si mesmo _ ente é o que é (id quod est) _, substância é o sujeito (aquele que é) ou substrato, no qual, se assentam os acidentes. Sempre o que a coisa é, por exemplo, um livro, cadeira, homem etc. Ao passo que os acidentes são realidades a cuja essência lhe convêm ser em outro como em e/ou a seu sujeito. Eles não existem em si, mas no sujeito _ nas substâncias _. Entendemos os acidentes, segundo sua descrição, como perfeições múltiplas que inerem em um único sujeito permanente, e, além disso, como determinações derivadas e secundárias do núcleo central de uma coisa. O que o caracteriza, pois, de modo radical, é sua dependência da substância.

Outra característica que diferencia estes dois modos de ser _ substância e acidentes _, é que em cada coisa há um só núcleo substancial. Porém, afetado por múltiplas modificações acidentais. A substância constitui o elemento mais importante de cada coisa, e apresenta dois aspectos fundamentais:

a) É o sujeito ou substrato, em que assentam os acidentes; dai se deriva o mesmo nome de “substância”, pois em latim substância é o que Sub-Stat, o que está por baixo.

b) Essa função se baseia, por sua vez, em que a substância é o subsistente; isto significa que não é em outra coisa, senão que em si mesma, ao contrário dos acidentes que, para ser, necessita apoiar-se em um sujeito, que é precisamente a substância. Um homem, por exemplo, é substância porque subsiste, tem ser próprio, distinto do ser dos demais, contudo a cor, tamanho são realidades acidentais, que requerem um sujeito já existente.

Igualmente a substância que tem uma natureza a qual convêm subsistir e situa o sujeito em uma espécie, assim cada acidente possui também uma essência própria, que distingue um acidente dos outros, e que a corresponde depender do ser de um sujeito.

Há uma grande variedade de acidentes, que podemos classificar segundo distintos critérios. Para uma primeira visão de sua diversidade, pode servir, por exemplo, a seguinte classificação dos acidentes segundo sua origem:

a) Acidentes próprios da espécie: são aqueles que surgem dos princípios específicos da essência de uma coisa e constituem, portanto, as propriedades comuns a todos os indivíduos de uma mesma espécie; por exemplo, a figura própria do cavalo, ou bem, no homem, sua faculdade de entender e querer, sua sociabilidade, o sorrir e o chorar.

b) Acidentes inseparáveis de cada indivíduo: nascem do modo concreto como a espécie se realiza em cada indivíduo; por exemplo, ser alto ou baixo, branco ou moreno, homem ou mulher é características individuais que tem uma causa permanente no sujeito.

c) Acidentes separados, como estar sentado, caminhar, estudar etc., que procedem dos princípios internos do sujeito, mas o afetam só de modo transeunte.

d) Acidentes que procedem de um agente externo: alguns são violentos, como uma queimadura, ou doença provocada por um vírus.

Uma vez entendido a questão da substância e acidentes, corresponde agora tratar dos aspectos da realidade ato e potência, que se encontra em todos os predicamentos e permitem conhecer de um modo, mas profundo a estrutura do ente.

Pode-se dizer que uma primeira determinação do ato e potência surge da análise do movimento. Parménides, com sua rígida concepção do ser, único e imutável, não consegue/pôde explicar a realidade do movimento, regulando-a ao âmbito da experiência: o ser é, e o não-ser não é; em consequência, é impossível a passagem de um a outro. Com mais realismo, Aristóteles entendeu que o movimento não é uma novidade absoluta, um passo do não-ser ao ser, senão o tornar-se de um sujeito a outro desde um estado a outro, como por exemplo a água que muda de temperatura _fria a quente_. Por meio do movimento das coisas adquirem perfeiçoes que antes não possuíam. No entanto, se requer que o sujeito seja capaz de ter essa qualidade que alcança com o movimento. Os exemplos aristotélicos são claros: nem um animal, nenhuma criança pequena sabem resolver problemas matemáticos, é dizer, o animal jamais poderá um dia fazê-lo, contudo a criança pode aprender um dia; um tronco de madeira informe não é, todavia, estatua, mas tem capacidade de chegar a converter-se em uma. Daí dizermos, a capacidade de ter uma perfeição recebe o nome de potência. Não é a mera privação de algo que se adquirirá, senão uma capacidade real que há no sujeito para umas determinadas perfeiçoes. Este tipo de realidade, que rompe a visão homogênea do ser de Parménides, constitui uma contribuição decisiva que Aristóteles introduz na metafísica ao tentar compreender a realidade do movimento.

A potência contrapõe o ato, que é a perfeição que um sujeito possui. Exemplos de ato são a figura trabalhada na madeira, o calor da água etc. Deste modo, o movimento se explica como a utilização da potência, a mudança de ser algo em potência a sê-lo em ato. Tomando como base o pensamento de Aristóteles, ele entende o ato e a potência sobre dois aspectos: um físico, ligado ao movimento, e outro metafísico. No primeiro caso fala do ato e potência como elementos que explicam o movimento. Neste nível aparece uma contribuição radical entre ser em ato e ser em potência.

Ato é em geral qualquer perfeição de um sujeito; a cor de alguma coisa, as qualidades de uma substância, a mesma perfeição substancial de um ente, as ações de entender, querer e sentir etc. É uma realidade primeira, evidente e por isso indemonstrável, conhecida e distinguida na sua contraposição com a potência. Já a potência é o que pode receber um ato, ou já o tem. Podem-se descrever algumas características envolvidas e/ou implicadas nesta descrição: a) A potência é distinta do ato; b) O ato e a potência não são realidades completas, mas sim aspectos ou princípios que se encontram nas coisas, e, juntas. c) A potência se contrapõe ao ato como imperfeito ao perfeito. d) Porém, a potência não se reduz a uma simples privação de ato, mas é uma capacidade real de perfeição.

Em suma, o ato “é” em sentido próprio e principal, e, a potência só de maneira secundária. Na medida em que está em potência, um ser não “é” propriamente, mas “pode ser”.

A potência própria e imediata do ato de ser, que integra junto com a substância, configurando-a em uma específica modalidade de ser e recebe o nome de essência. Pode-se entender também a essência como determinação do modo de ser de um ente. Pois, essência quer expressar aquilo pelo qual uma coisa é o que é. Em sentido estrito, essência corresponde principalmente à substância (e não aos acidentes), porque só é propriamente aquilo que subsiste, o que é em ser (substância). Por isso a essência do ente se encontra na substância. É pela sua essência, por assim dizer, que um ente é incluído em gêneros e espécies que são agrupamentos de entes da mesma, ou, semelhante essência. Esta determina um modo de ser ao que compete subsistir. E a substância não é mais que esse modo de ser subsistindo, no entanto, essência e substância não são perfeitamente sinônimos; ambos se referem a mesma realidade, mas essência designa mas bem, enquanto constitui, um modo de ser determinado e concreto. É mediante a essência que o ente se inclui em uma espécie (homem, cavalo etc.), ao passo que com o termo substância se quer dizer que recebe o ser como próprio (subsiste) e que é substrato para os acidentes (substat).

A multiplicidade de criaturas revela a existência de várias perfeições diferentes e, ao mesmo tempo, mostra uma perfeição comum a todos os entes, que é o ser (esse). O ser transcende qualquer outra perfeição, porque se encontra realizado em cada uma delas, ainda que de maneira análoga; todo ato pressupõe o ser e o manifesta, se bem que de modo distinto: a vida, uma cor, uma virtude, uma ação, participam do ser, mesmo que, como é óbvio, em graus distintos. Assim, tratemos agora da questão Ato de Ser. Vê-se, então, que o ato de ser é o ato em sentido pleno e próprio, porque não inclui em si nenhuma limitação. Os demais atos ao contrário, se constituem já como modos de ser particulares, e, portanto como potência com relação ao ser; são, e nesse sentido tem ser, mas eles não são sem mais, senão segundo uma modalidade concreta e neste sentido limitam a ser como uma potência a seu ato.

O ser, por reunir de modo cabal as características do ato, pode subsistir independentemente de toda potência. Compreende-se, assim, que Deus pode ser denominado metafisicamente como ato puro de Ser, que contem em plenitude e simplicidade toda a perfeição parcialmente dispersa entre as criaturas, e infinitamente toda a perfeição do universo inteiro.

Em definitivo, o ser pode designar-se com propriedade ato último do ente, porque todas as coisas e cada uma de suas perfeiçoes ou atos não são mas que modos de ser, formas que possuem limitadamente (por participação) o ato radical sem o qual nada seria. O ser é ato de todos os demais atos do ente, pois atualiza a qualquer outra perfeição, fazendo-a ser. Por exemplo, o ato, que é ato segundo, se fundamenta nas potências operativas _ ato primeiro na ordem dos acidentes _, e estas faculdades, juntos com o resto das perfeições acidentais, recebem sua própria atualidade da forma substancial, que é o ato primeiro da essência; por sua vez, toda a perfeição da essência deriva do ser (esse), que é por isso com propriedade ato último e ato de todos os atos do ente.

Agora sabendo o que significa o termo Ato de ser, perguntemo-nos com toda a clareza: o ser é um termo unívoco, equívoco ou análogo? Tomás de Aquino adverte e sublinha esta especialíssima dificuldade do problema do ser, e nos diz: o ser é um termo análogo, quer dizer, nem unívoco nem equívoco. "Unívocos" chamam os lógicos aos termos que designam sempre uma e a mesma coisa. São termos que, por assim dizer, não têm perda; significam sempre o mesmo e não há possibilidade de enganar-se, conhecendo-se o único significado que possuem.

A palavra "homem", por exemplo, é termo unívoco, que designa sempre o mesmo ser, o mesmo objeto. "Equívocos" chamam em troca, os lógicos aos termos ou conceitos que têm duas ou mais significações completamente diversas, quer dizer, que se referem a dois ou mais objetos totalmente distintos entre si e heterogêneos.

"Análogos" chamam, por último, os lógicos aos termos ou conceitos que designam — como os equívocos — objetos distintos, mas não inteiramente diferentes, antes em parte semelhantes e em parte diferentes, ou seja termos cuja significação não varia senão em parte ao designar ora uns, ora outros objetos.

Pode-se dizer que Sócrates inaugura um novo modo de pensar, que Platão aperfeiçoa e que Aristóteles leva à sua mais alta forma. O ser não é nem unívoco nem equívoco, é análogo. Que quer dizer, pois, analogia do ser? Quer dizer que o ser tem distintas significações; porém que são distintas não inteiramente, mas só em parte. O ser, diz Aristóteles, se diz de muitas maneiras; existem diversas modalidades de ser, embora sob todas elas permaneça a unidade do ser enquanto tal. Esta unidade do ser, isso que há de comum entre todos os seres, não os torna um só ser até o ponto de tornar unívoco o conceito de ser; mas também não torna cada um deles um objeto totalmente distinto dos demais até o ponto de estabelecer entre eles uma diferença total que conduziria à impossibilidade do conhecimento.

Resulta, pois evidente, após o que dissemos a respeito de suas exigências internas, que a noção de ser só pode ser uma noção analógica. Não é equívoca, pois não é uma simples palavra à qual não corresponderia nenhuma realidade profunda. Não é unívoca, pois não pode se diferenciar à maneira de um gênero. Resta, pois, que seja analógica, isto é, que contenha, de maneira ao mesmo tempo diferenciada e unificada, as diversas modalidades do ser.



quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Tanto Kant quanto Husserl utilizaram o termo “fenômeno” em suas explicações filosóficas quanto ao problema do conhecimento. Quais são as diferenças básicas (se existem) deste conceito em ambas as teorias? Ambas apontam para os limites do conhecimento? Por quê?

É sabido que o termo “Fenômeno” fora usado tanto por Immanuel Kant (1724-1804), bem como, por Edmund Husserl (1859-1938) em suas explicitações filosóficas acerca do problema do conhecimento.

De praxe, é interessante lembrarmos primeiramente a posição de Kant com relação à filosofia, a qual ele a define como “a ciência da relação de todo conhecimento e de todo uso da razão com o fim último da razão humana”, caracterizando-se pelo tratamento de quatro questões fundamentais: 1º O que posso saber? Questão que diz respeito à metafísica, no sentido kantiano de investigação sobre a possibilidade e legitimidade do conhecimento. 2º O que devo saber? Cuja resposta é dada pela moral. 3º O que posso esperar? O problema da esperança, de que trata a religião. 4º O que é o homem? Objeto da antropologia.

Pode-se dizer que na concepção kantiana, o conhecimento do objeto resulta da contribuição de duas faculdades de nossa mente, ou de nossa razão, a sensibilidade e o entendimento. A Crítica da Razão Pura visa, assim, investigar as condições de possibilidades do conhecimento, ou seja, o modo pelo qual, na experiência de conhecimento, sujeito e objeto se relacionam e em que condições esta relação pode ser considerada legítima. Sujeito e objeto são, portanto, para Kant, termos relacionais, que só podem ser considerados como parte da relação de conhecimento, e não autonomamente. Só há objeto para o sujeito, só há sujeito se este se dirige ao objeto, visa apreendê-lo.

 Kant emprega o termo estética ainda no sentido tradicional de análise da sensibilidade do ponto de vista do conhecimento. Sua teoria da sensibilidade, entretanto, não é uma teoria das sensações, ou da percepção sensível, como encontramos em Locke e Hume, por assim dizer. Kant rejeita a noção de uma intuição intelectual, que poderia nos dar acesso direto à essência das coisas, tal como encontramos na metafísica tradicional. Por definição, a essência é o incondicionado, conhece-la seria entrar numa relação com a essência, a partir do quê esta deixaria de ser incondicionada. A intuição é sempre visível, é o modo como os objetos se apresentam a nós no espaço e no tempo, condição de possibilidade para que sejam objetos. Dizemos assim, segundo Kant que o que conhecemos não é o real, “a coisa-em-si”, mas sempre o real em relação com o sujeito do conhecimento, isto é, o real enquanto objeto. Kant distingue desse modo o mundo dos fenômenos, a realidade de nossa experiência, do mundo do númeno, a realidade considerada em si mesma, a qual podemos pensar, mas não conhecer.

Em suma, Kant formula um projeto de filosofia crítica que visa dar conta da possibilidade do homem conhecer o real e de agir livremente. Assim, podemos afirmar que para ele (Kant) o conhecimento resulta da contribuição das faculdades da sensibilidade e do conhecimento que constituem o sujeito do conhecimento, na qual, a sensibilidade possibilita que o objeto pensado por conceitos (entendimento) seja determinado espaço temporalmente como objeto de uma experiência possível.

 Edmund Husserl (1859-1938) foi professor na Universidade de Freiburg (1926-28), na Alemanha. Seu projeto filosófico caracterizou-se incialmente pela formulação da fenomenologia como um método que pretende explicitar as estruturas implícitas da experiência humana do real, revelando o sentido dessa experiência através de uma análise da consciência em sua relação com o real. A fenomenologia de Husserl pertence assim à tradição da filosofia da consciência e da subjetividade características da modernidade, embora desenvolvendo uma interpretação própria. Ele pretende considerar sua tarefa basicamente como descritiva dos elementos mais básicos de nossa experiência. Husserl vê a filosofia, por bem dizer, como uma ciência rigorosa e dá e teoria do conhecimento um lugar central em seu pensamento. Pela temática que desenvolve, pelos conceitos que emprega e pela maneira como concebe a tarefa da filosofia, Husserl pode ser visto, creio, como um herdeiro de Descartes e do próprio Kant.

Indo mais além, podemos ainda dizer que, o lema básico da fenomenologia é “de volta às coisas mesmas”, procurando com isso a superação da oposição entre realismo e idealismo, entre o sujeito e o objeto, a consciência e o mundo.  Mas, o que é fenomenologia? Ora, em definição, podemos dizer que, a fenomenologia é o movimento filosófico inaugurado por Husserl e desenvolvido, sobretudo na França e na Alemanha, por seus seguidores, constituindo uma das principais correntes do pensamento do século XX.

 Contudo, para Husserl, a fenomenologia não é uma psicologia descritiva, uma descrição do modo de operar da consciência, voltando-se sobretudo para a análise das essências, entendidas como unidades ideais de significação, elementos constitutivos do sentido de nossa experiência. É dessa forma que Husserl considera que o método fenomenológico rompe com a atitude natural ou espontânea em que constituem nossas crenças habituais, em que apreendemos fatos, passando pela suspensão em que abandonamos essa atitude ao exame do modo de constituição desta experiência. Logo, a suspensão coloca assim, em suas palavras, o mundo “entre parênteses”.

ROMA E A INVENSÃO DO DIREITO

Muitos historiadores acreditam que Roma surgiu de uma união de aldeias de agricultores e pastores latinos e sabinos, outro povo que habitava a região do Lácio. A fundação lendária da cidade data de 753 a. C., e era a data utilizada pelos romanos como ponto de partida do seu calendário.

A história de Roma pode ser dividida em três períodos:
Período da Monarquia (753-509 a. C.): quando foi governada por sete reis sucessivamente.

Período da Republica (509-27 a. C.): certamente o período mais significativo de sua história. Com o fim da realeza, Roma passou a ser governada por dois cônsules eleitos anualmente. Foi a época das lutas sociais (patrícios X plebeus), da conquista da Itália e do Mediterrâneo, das grandes transformações socioeconômicas, que levaram à crise da República e seu desaparecimento.

Período do Império (27 a. C. – 476 d. C.): período em que o poder politico se concentrou nas mãos do príncipe, como oficialmente era chamado o imperador.

Politicamente, as principais instituições da República romana eram:

Senado: uma assembleia de anciões, romanos livres, da nobreza latifundiários. Geralmente chefes de famílias patrícias, com cargos vitalícios e amplos poderes, que preparavam as leis e decidiam todas as questões importantes da política externa e interna do Estado.
Assembleia popular: era a Assembleia das Centúrias, em que cada centúria (fileira de cem soldados) possuía um voto. Essa assembleia elegia os cônsules e votava as leis.

As magistraturas: como os cônsules, os magistrados mais importantes que convocavam o Senado, zelavam pela aplicação das leis e comandavam o exército; os pretores, que aplicavam a justiça; os questores, que administravam as finanças públicas; os censores, que promoviam o censo dos cidadãos e cuidavam da moralidade pública etc. Em época de crise (interna ou externa), o Senado substituía os cônsules por um ditador, pelo prazo máximo de seis meses, com plenos poderes.

Durante a época republicana, a plebe lutou por direitos político-sociais. Embora fosse a base de sustentação do Estado romano, não possuía direitos. Era frequentemente chamada às armas, por causa das múltiplas guerras. Mas, embora Roma fosse vitoriosa, a plebe era prejudicada com a perda de suas propriedades e pelo endividamento. Conscientes de sua força chegaram até fazer greves. E conseguiram no decorrer de mais de um século, atingir a categoria de cidadãos, equivalente à dos patrícios. Os principais direitos alcançados foram:

Tributo da plebe (493 a. C.): cargo sacrossanto (inviolável). Escolhido pela plebe tinha o direito de vetar as medidas do Senado que fossem prejudiciais a ela;

Leis das Doze Tábuas (450 a. C.), codificação da legislação costumeira. Foram fixadas em bronze os direitos privado, público, penal, processual e religioso. Foram a origem do Direito Romano objetivo; Constitui o primeiro texto jurídico romano que tem força de lei. Esta lei, pretende detalhar por escrito a repartição dos civis e políticos entre as grandes famílias romanas e os recém-chegados, geralmente pobres.

Lei Canuléia (445 a. C.): permissão para casamentos entre patrícios e plebeus.

Entre 367 e 387 a. C., gradualmente, os plebeus conseguiram o direito de acesso a todas as magistraturas.

O tempo da República é o tempo da expansão romana. Após a conquista do Lácio e da Itália, Roma enfrentou o poder de Cartago, cidade mercantil localizada no norte da África, e que detinha a hegemonia marítima no Mediterrâneo ocidental. O choque dos dois imperialismos foi inevitável. As guerras púnicas (como os romanos chamavam os cartagineses) foram as mais importantes travadas pela cidade de Roma. Elas podem ser divididas em três fazes:

Primeira guerra púnica (264-241 a. C.); Finda a primeira guerra, o resultado mais positivo era o domínio do mar, que passava de Cartago para Roma.

Segunda guerra púnica (238-201 a C.); Cartago renunciava a seus direitos sobre a Ibéria e as ilhas do Mediterrâneo, e Roma ficava com a posse de toda a bacia ocidental desse mar.

Terceira guerra púnica (149-146 a. C.); Os romanos cercaram Cartago, que não se rendia e resistiu por quatro anos. Só se rendeu quando sua imensa população _ 700 mil pessoas _ ficou reduzida a 50 mil.

As guerras púnicas marcaram fortemente a vida romana. Antes delas os ambiciosos e demagogos cortejavam o povo, os plebeus; depois delas, passaram a cortejar as legiões.

Numa tentativa de solucionar os problemas, aos quais sofriam os pequenos proprietários agrícolas prejudicados por não mais conseguirem concorrer com os grandes proprietários devido à facilidade de importação, especialmente de trigo do Egito, notabilizaram-se os irmãos Graco (Tibério e Caio), que entre 133 e 123 a. C., embora patrícios, foram eleitos tribunos da plebe. Propuseram leis de reforma agrária, que encontraram resistências entre os patrícios. A morte violenta de ambos adiou, por mais de um século, a solução da crise.

A crise social e a crescente importância do exército provocaram um período de grande instabilidade política na república. Dois grupos disputavam o poder: a antiga aristocracia patrícia, chefiada pelo general Sila, apoiado pelo Senado; e os novos ricos “cavaleiros”, que tinham no general Mário, de origem plebeia, o seu líder. Durante quase três décadas (107 a 79 a. C.) revezaram-se no poder, desgastando as instituições republicanas. Era evidente que cada vez mais o exército era o verdadeiro poder. E o vazio político, devido à perda de autoridade do Senado, foi preenchido por ditadores e triunviratos. O primeiro deles, formado em 60 a. C., era constituído pelos generais Crasso, Pompeu e Júlio Cesar. Este último acabou por prevalecer, tornando-se durante vários anos ditador. Com a morte de Cesar, formou-se o 2º triunvirato, de que faziam parte Lépido, Marco Antônio e Otávio. Circunstancialmente aliados, logo Lépido, o elemento fraco, foi afastado. A rivalidade entre os dois restante eclodiu. Derrotado, Marco Antônio cometeu suicídio. O senado, absolutamente enfraquecido, delegou a Otávio toda a autoridade. Nascia, de fato o império, em 27 a. C.

Didaticamente, o Império Romano, pode ser dividido em dois grandes períodos:

Alto Império Romano (sécs. I e III): época do apogeu romano, de sua maior extensão territorial, da pax romana, com as fronteiras bem guarnecidas. A concentração de riqueza, o alto padrão de vida e poder de compra pelos romanos, a excepcional qualidade das estradas romanas, bem como a segurança nas navegações marítimas etc. No exterior, o Alto Império é marcado pela consolidação da dominação romana no Mediterrâneo, é o tempo da romanização do Império. Foi o período de notável produção cultural, com destaque para a arquitetura e a literatura. É também o momento em que o Império é marcado pelos primeiros sinais de decadência política, que, não estando submetida a um princípio de hereditariedade, afunda nos assassinatos, nos complôs e nas lutas militares.

Com o Baixo Império (final do séc. III e séc. IV) inicia a era da decadência imperial. No exterior o período é marcado pelo fim da pax romana. As guerras civis e as sublevações se multiplicam. Neste período esgotou-se a capacidade ofensiva de romana, não havia mais possibilidade de ampliar o domínio territorial e, consequentemente, a incorporação de mão-de-obra escrava para repor as perdas.

Com a morte de Teodósio, em 395, o império é dividido em duas partes:

Império do Oriente (que se tornará o Império Bizantino) consegue, nos séculos posteriores, manter a sua unidade (até a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453).

Império do Ocidente, submerso pelas invasões bárbaras, divide-se rapidamente em reinos e desaparece em 446, quando o último imperador é deposto. Este Império sobreviveu apenas sete décadas, sobre o ataque dos povos nômades, extinguindo-se em 476.

O período de sete séculos que separa a fundação da República do fim do Alto Império parece hoje fundamental para a formação das instituições políticas ocidentais. É de fato o momento em que, na história da civilização, são imaginadas estruturas jurídicas e administrativas permanentes encarregadas de garantir a supremacia do direito, a promoção da ideia de liberdade e o sonho de uma civilização universal.

A República romana defende desde a sua fundação uma ambição nova: Impor instituições universais apoiando-se na força do direito. Doravante a vida política não é mais colocada sobre a dependência de um príncipe onipotente que desempenha funções divinas. Ela não está destinada a adaptar-se à organização específica de cada cidade. Mais antes, apoia-se, por um lado, em leis precisas, claras e aplicáveis a todos e, por outro lado, na constituição de um aparelho administrativo encarregado de proteger o conjunto das religiões colocadas sobre a autoridade de Roma. Os gregos tinham descoberto a razão; do pensamento fizeram uma ferramenta que permitia decifrar de modo diferente o universo, propor uma reflexão original sobre a sociedade humana e iniciar uma nova forma de legitimidade fundada na ética da discussão. Os romanos, ao dar o papel central ao direito, fazem essa razão entrar no funcionamento concreto das instituições.

A importância concedida pelos romanos ao direito é reveladora de um novo espírito social: ao reconhecer um papel primordial à norma racional, Roma faz do direito a expressão e a garantia da superioridade da sociedade romana sobre as colocações sociais, mas assegura também uma justiça igual entre todos os homens, com exceção daqueles que não gozam dos mesmos direitos, a saber, as mulheres, os estrangeiros e os escravos.

O papel do direito na República romana é indissociável do princípio de liberdade. Para os romanos, a liberdade não é somente um princípio moral; ela adquire uma dimensão propriamente política; está inseparavelmente ligada à cidadania. Na concepção romana, a liberdade cidadã acaba não tendo sentido a não ser que seja igual para todos.  Além da defesa da liberdade do cidadão, o direito é colocado ao serviço de uma ambição universal, a saber, a realização de uma unidade política sobre a égide de Roma. No entender dos romanos, o direito não tem a vocação a limitar-se a um espaço confinado da cidade. À medida que aparece a ambição dominadora de Roma no Mediterrâneo, o direito é percebido como o instrumento que permite unificar a Cosmópolis (literalmente, a “cidade universal”).

O direito romano não forma, sob a República e o Império, um corpus coerente de regras. Só se foi redescoberto na Idade Média que só se constitui na Antiguidade muito lentamente, durante vários séculos, pela sedimentação de regras de natureza múltipla. Certamente, entre as realizações intelectuais dos romanos, o Direito é das mais significativas. Ainda na primeira fase do período republicano, as relações entre as pessoas e entre elas e o Estado (cuja regulamentação é a principal finalidade do Direito) era regidas, em Roma, pelos usos e costumes (direito costumeiro). Por exigência dos plebeus, surgiu a Lei das XII Tábuas, primeira codificação do Direito Romano, que, juntamente com as leis posteriores e as decisões dos magistrados, constituíram o Direito Civil (Jus civile) ou dos cidadãos. Com as conquistas, surgiu o Direito das gentes (jus gentium), que se aplicava às relações com estrangeiros. Mais tarde acabou por se formar um conjunto de princípios jurídicos aplicável a toda a humanidade, ou Direito natural (jus naturale).


* Referente à Obra: NAY, Olivier. História das idéias políticas. Tradução de Jaime A. Clasen. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2007. p. 56-68.