Artigos. (23)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

ESTRUTURA METAFÍSICA DO ENTE

A metafísica estuda as diversas modalidades de entes que se dão no universo. E entre elas, destacam-se os acidentes e a substância, que são os modos fundamentais do ser (os predicamentos) aos que podem reduzir-se toda a realidade criada. Quer dizer, nas coisas há (existe) um substrato permanente e estável, a substância, e umas perfeições secundárias e mutáveis, que são os acidentes.

Esta breve diferenciação é suficiente para advertir a diferença entre o que é substância, e, o que é acidentes, bem como, o modo, pelo qual, ambas as modalidades _ substância e acidentes _ se relacionam, sendo uma em si mesma e outra dependente de um sujeito.

Pode-se considerar a substância como aquela realidade a cuja essência ou natureza lhe convêm ser em si e não em outro sujeito. É um ente que é em si mesmo _ ente é o que é (id quod est) _, substância é o sujeito (aquele que é) ou substrato, no qual, se assentam os acidentes. Sempre o que a coisa é, por exemplo, um livro, cadeira, homem etc. Ao passo que os acidentes são realidades a cuja essência lhe convêm ser em outro como em e/ou a seu sujeito. Eles não existem em si, mas no sujeito _ nas substâncias _. Entendemos os acidentes, segundo sua descrição, como perfeições múltiplas que inerem em um único sujeito permanente, e, além disso, como determinações derivadas e secundárias do núcleo central de uma coisa. O que o caracteriza, pois, de modo radical, é sua dependência da substância.

Outra característica que diferencia estes dois modos de ser _ substância e acidentes _, é que em cada coisa há um só núcleo substancial. Porém, afetado por múltiplas modificações acidentais. A substância constitui o elemento mais importante de cada coisa, e apresenta dois aspectos fundamentais:

a) É o sujeito ou substrato, em que assentam os acidentes; dai se deriva o mesmo nome de “substância”, pois em latim substância é o que Sub-Stat, o que está por baixo.

b) Essa função se baseia, por sua vez, em que a substância é o subsistente; isto significa que não é em outra coisa, senão que em si mesma, ao contrário dos acidentes que, para ser, necessita apoiar-se em um sujeito, que é precisamente a substância. Um homem, por exemplo, é substância porque subsiste, tem ser próprio, distinto do ser dos demais, contudo a cor, tamanho são realidades acidentais, que requerem um sujeito já existente.

Igualmente a substância que tem uma natureza a qual convêm subsistir e situa o sujeito em uma espécie, assim cada acidente possui também uma essência própria, que distingue um acidente dos outros, e que a corresponde depender do ser de um sujeito.

Há uma grande variedade de acidentes, que podemos classificar segundo distintos critérios. Para uma primeira visão de sua diversidade, pode servir, por exemplo, a seguinte classificação dos acidentes segundo sua origem:

a) Acidentes próprios da espécie: são aqueles que surgem dos princípios específicos da essência de uma coisa e constituem, portanto, as propriedades comuns a todos os indivíduos de uma mesma espécie; por exemplo, a figura própria do cavalo, ou bem, no homem, sua faculdade de entender e querer, sua sociabilidade, o sorrir e o chorar.

b) Acidentes inseparáveis de cada indivíduo: nascem do modo concreto como a espécie se realiza em cada indivíduo; por exemplo, ser alto ou baixo, branco ou moreno, homem ou mulher é características individuais que tem uma causa permanente no sujeito.

c) Acidentes separados, como estar sentado, caminhar, estudar etc., que procedem dos princípios internos do sujeito, mas o afetam só de modo transeunte.

d) Acidentes que procedem de um agente externo: alguns são violentos, como uma queimadura, ou doença provocada por um vírus.

Uma vez entendido a questão da substância e acidentes, corresponde agora tratar dos aspectos da realidade ato e potência, que se encontra em todos os predicamentos e permitem conhecer de um modo, mas profundo a estrutura do ente.

Pode-se dizer que uma primeira determinação do ato e potência surge da análise do movimento. Parménides, com sua rígida concepção do ser, único e imutável, não consegue/pôde explicar a realidade do movimento, regulando-a ao âmbito da experiência: o ser é, e o não-ser não é; em consequência, é impossível a passagem de um a outro. Com mais realismo, Aristóteles entendeu que o movimento não é uma novidade absoluta, um passo do não-ser ao ser, senão o tornar-se de um sujeito a outro desde um estado a outro, como por exemplo a água que muda de temperatura _fria a quente_. Por meio do movimento das coisas adquirem perfeiçoes que antes não possuíam. No entanto, se requer que o sujeito seja capaz de ter essa qualidade que alcança com o movimento. Os exemplos aristotélicos são claros: nem um animal, nenhuma criança pequena sabem resolver problemas matemáticos, é dizer, o animal jamais poderá um dia fazê-lo, contudo a criança pode aprender um dia; um tronco de madeira informe não é, todavia, estatua, mas tem capacidade de chegar a converter-se em uma. Daí dizermos, a capacidade de ter uma perfeição recebe o nome de potência. Não é a mera privação de algo que se adquirirá, senão uma capacidade real que há no sujeito para umas determinadas perfeiçoes. Este tipo de realidade, que rompe a visão homogênea do ser de Parménides, constitui uma contribuição decisiva que Aristóteles introduz na metafísica ao tentar compreender a realidade do movimento.

A potência contrapõe o ato, que é a perfeição que um sujeito possui. Exemplos de ato são a figura trabalhada na madeira, o calor da água etc. Deste modo, o movimento se explica como a utilização da potência, a mudança de ser algo em potência a sê-lo em ato. Tomando como base o pensamento de Aristóteles, ele entende o ato e a potência sobre dois aspectos: um físico, ligado ao movimento, e outro metafísico. No primeiro caso fala do ato e potência como elementos que explicam o movimento. Neste nível aparece uma contribuição radical entre ser em ato e ser em potência.

Ato é em geral qualquer perfeição de um sujeito; a cor de alguma coisa, as qualidades de uma substância, a mesma perfeição substancial de um ente, as ações de entender, querer e sentir etc. É uma realidade primeira, evidente e por isso indemonstrável, conhecida e distinguida na sua contraposição com a potência. Já a potência é o que pode receber um ato, ou já o tem. Podem-se descrever algumas características envolvidas e/ou implicadas nesta descrição: a) A potência é distinta do ato; b) O ato e a potência não são realidades completas, mas sim aspectos ou princípios que se encontram nas coisas, e, juntas. c) A potência se contrapõe ao ato como imperfeito ao perfeito. d) Porém, a potência não se reduz a uma simples privação de ato, mas é uma capacidade real de perfeição.

Em suma, o ato “é” em sentido próprio e principal, e, a potência só de maneira secundária. Na medida em que está em potência, um ser não “é” propriamente, mas “pode ser”.

A potência própria e imediata do ato de ser, que integra junto com a substância, configurando-a em uma específica modalidade de ser e recebe o nome de essência. Pode-se entender também a essência como determinação do modo de ser de um ente. Pois, essência quer expressar aquilo pelo qual uma coisa é o que é. Em sentido estrito, essência corresponde principalmente à substância (e não aos acidentes), porque só é propriamente aquilo que subsiste, o que é em ser (substância). Por isso a essência do ente se encontra na substância. É pela sua essência, por assim dizer, que um ente é incluído em gêneros e espécies que são agrupamentos de entes da mesma, ou, semelhante essência. Esta determina um modo de ser ao que compete subsistir. E a substância não é mais que esse modo de ser subsistindo, no entanto, essência e substância não são perfeitamente sinônimos; ambos se referem a mesma realidade, mas essência designa mas bem, enquanto constitui, um modo de ser determinado e concreto. É mediante a essência que o ente se inclui em uma espécie (homem, cavalo etc.), ao passo que com o termo substância se quer dizer que recebe o ser como próprio (subsiste) e que é substrato para os acidentes (substat).

A multiplicidade de criaturas revela a existência de várias perfeições diferentes e, ao mesmo tempo, mostra uma perfeição comum a todos os entes, que é o ser (esse). O ser transcende qualquer outra perfeição, porque se encontra realizado em cada uma delas, ainda que de maneira análoga; todo ato pressupõe o ser e o manifesta, se bem que de modo distinto: a vida, uma cor, uma virtude, uma ação, participam do ser, mesmo que, como é óbvio, em graus distintos. Assim, tratemos agora da questão Ato de Ser. Vê-se, então, que o ato de ser é o ato em sentido pleno e próprio, porque não inclui em si nenhuma limitação. Os demais atos ao contrário, se constituem já como modos de ser particulares, e, portanto como potência com relação ao ser; são, e nesse sentido tem ser, mas eles não são sem mais, senão segundo uma modalidade concreta e neste sentido limitam a ser como uma potência a seu ato.

O ser, por reunir de modo cabal as características do ato, pode subsistir independentemente de toda potência. Compreende-se, assim, que Deus pode ser denominado metafisicamente como ato puro de Ser, que contem em plenitude e simplicidade toda a perfeição parcialmente dispersa entre as criaturas, e infinitamente toda a perfeição do universo inteiro.

Em definitivo, o ser pode designar-se com propriedade ato último do ente, porque todas as coisas e cada uma de suas perfeiçoes ou atos não são mas que modos de ser, formas que possuem limitadamente (por participação) o ato radical sem o qual nada seria. O ser é ato de todos os demais atos do ente, pois atualiza a qualquer outra perfeição, fazendo-a ser. Por exemplo, o ato, que é ato segundo, se fundamenta nas potências operativas _ ato primeiro na ordem dos acidentes _, e estas faculdades, juntos com o resto das perfeições acidentais, recebem sua própria atualidade da forma substancial, que é o ato primeiro da essência; por sua vez, toda a perfeição da essência deriva do ser (esse), que é por isso com propriedade ato último e ato de todos os atos do ente.

Agora sabendo o que significa o termo Ato de ser, perguntemo-nos com toda a clareza: o ser é um termo unívoco, equívoco ou análogo? Tomás de Aquino adverte e sublinha esta especialíssima dificuldade do problema do ser, e nos diz: o ser é um termo análogo, quer dizer, nem unívoco nem equívoco. "Unívocos" chamam os lógicos aos termos que designam sempre uma e a mesma coisa. São termos que, por assim dizer, não têm perda; significam sempre o mesmo e não há possibilidade de enganar-se, conhecendo-se o único significado que possuem.

A palavra "homem", por exemplo, é termo unívoco, que designa sempre o mesmo ser, o mesmo objeto. "Equívocos" chamam em troca, os lógicos aos termos ou conceitos que têm duas ou mais significações completamente diversas, quer dizer, que se referem a dois ou mais objetos totalmente distintos entre si e heterogêneos.

"Análogos" chamam, por último, os lógicos aos termos ou conceitos que designam — como os equívocos — objetos distintos, mas não inteiramente diferentes, antes em parte semelhantes e em parte diferentes, ou seja termos cuja significação não varia senão em parte ao designar ora uns, ora outros objetos.

Pode-se dizer que Sócrates inaugura um novo modo de pensar, que Platão aperfeiçoa e que Aristóteles leva à sua mais alta forma. O ser não é nem unívoco nem equívoco, é análogo. Que quer dizer, pois, analogia do ser? Quer dizer que o ser tem distintas significações; porém que são distintas não inteiramente, mas só em parte. O ser, diz Aristóteles, se diz de muitas maneiras; existem diversas modalidades de ser, embora sob todas elas permaneça a unidade do ser enquanto tal. Esta unidade do ser, isso que há de comum entre todos os seres, não os torna um só ser até o ponto de tornar unívoco o conceito de ser; mas também não torna cada um deles um objeto totalmente distinto dos demais até o ponto de estabelecer entre eles uma diferença total que conduziria à impossibilidade do conhecimento.

Resulta, pois evidente, após o que dissemos a respeito de suas exigências internas, que a noção de ser só pode ser uma noção analógica. Não é equívoca, pois não é uma simples palavra à qual não corresponderia nenhuma realidade profunda. Não é unívoca, pois não pode se diferenciar à maneira de um gênero. Resta, pois, que seja analógica, isto é, que contenha, de maneira ao mesmo tempo diferenciada e unificada, as diversas modalidades do ser.



Nenhum comentário:

Postar um comentário