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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

ROMA E A INVENSÃO DO DIREITO

Muitos historiadores acreditam que Roma surgiu de uma união de aldeias de agricultores e pastores latinos e sabinos, outro povo que habitava a região do Lácio. A fundação lendária da cidade data de 753 a. C., e era a data utilizada pelos romanos como ponto de partida do seu calendário.

A história de Roma pode ser dividida em três períodos:
Período da Monarquia (753-509 a. C.): quando foi governada por sete reis sucessivamente.

Período da Republica (509-27 a. C.): certamente o período mais significativo de sua história. Com o fim da realeza, Roma passou a ser governada por dois cônsules eleitos anualmente. Foi a época das lutas sociais (patrícios X plebeus), da conquista da Itália e do Mediterrâneo, das grandes transformações socioeconômicas, que levaram à crise da República e seu desaparecimento.

Período do Império (27 a. C. – 476 d. C.): período em que o poder politico se concentrou nas mãos do príncipe, como oficialmente era chamado o imperador.

Politicamente, as principais instituições da República romana eram:

Senado: uma assembleia de anciões, romanos livres, da nobreza latifundiários. Geralmente chefes de famílias patrícias, com cargos vitalícios e amplos poderes, que preparavam as leis e decidiam todas as questões importantes da política externa e interna do Estado.
Assembleia popular: era a Assembleia das Centúrias, em que cada centúria (fileira de cem soldados) possuía um voto. Essa assembleia elegia os cônsules e votava as leis.

As magistraturas: como os cônsules, os magistrados mais importantes que convocavam o Senado, zelavam pela aplicação das leis e comandavam o exército; os pretores, que aplicavam a justiça; os questores, que administravam as finanças públicas; os censores, que promoviam o censo dos cidadãos e cuidavam da moralidade pública etc. Em época de crise (interna ou externa), o Senado substituía os cônsules por um ditador, pelo prazo máximo de seis meses, com plenos poderes.

Durante a época republicana, a plebe lutou por direitos político-sociais. Embora fosse a base de sustentação do Estado romano, não possuía direitos. Era frequentemente chamada às armas, por causa das múltiplas guerras. Mas, embora Roma fosse vitoriosa, a plebe era prejudicada com a perda de suas propriedades e pelo endividamento. Conscientes de sua força chegaram até fazer greves. E conseguiram no decorrer de mais de um século, atingir a categoria de cidadãos, equivalente à dos patrícios. Os principais direitos alcançados foram:

Tributo da plebe (493 a. C.): cargo sacrossanto (inviolável). Escolhido pela plebe tinha o direito de vetar as medidas do Senado que fossem prejudiciais a ela;

Leis das Doze Tábuas (450 a. C.), codificação da legislação costumeira. Foram fixadas em bronze os direitos privado, público, penal, processual e religioso. Foram a origem do Direito Romano objetivo; Constitui o primeiro texto jurídico romano que tem força de lei. Esta lei, pretende detalhar por escrito a repartição dos civis e políticos entre as grandes famílias romanas e os recém-chegados, geralmente pobres.

Lei Canuléia (445 a. C.): permissão para casamentos entre patrícios e plebeus.

Entre 367 e 387 a. C., gradualmente, os plebeus conseguiram o direito de acesso a todas as magistraturas.

O tempo da República é o tempo da expansão romana. Após a conquista do Lácio e da Itália, Roma enfrentou o poder de Cartago, cidade mercantil localizada no norte da África, e que detinha a hegemonia marítima no Mediterrâneo ocidental. O choque dos dois imperialismos foi inevitável. As guerras púnicas (como os romanos chamavam os cartagineses) foram as mais importantes travadas pela cidade de Roma. Elas podem ser divididas em três fazes:

Primeira guerra púnica (264-241 a. C.); Finda a primeira guerra, o resultado mais positivo era o domínio do mar, que passava de Cartago para Roma.

Segunda guerra púnica (238-201 a C.); Cartago renunciava a seus direitos sobre a Ibéria e as ilhas do Mediterrâneo, e Roma ficava com a posse de toda a bacia ocidental desse mar.

Terceira guerra púnica (149-146 a. C.); Os romanos cercaram Cartago, que não se rendia e resistiu por quatro anos. Só se rendeu quando sua imensa população _ 700 mil pessoas _ ficou reduzida a 50 mil.

As guerras púnicas marcaram fortemente a vida romana. Antes delas os ambiciosos e demagogos cortejavam o povo, os plebeus; depois delas, passaram a cortejar as legiões.

Numa tentativa de solucionar os problemas, aos quais sofriam os pequenos proprietários agrícolas prejudicados por não mais conseguirem concorrer com os grandes proprietários devido à facilidade de importação, especialmente de trigo do Egito, notabilizaram-se os irmãos Graco (Tibério e Caio), que entre 133 e 123 a. C., embora patrícios, foram eleitos tribunos da plebe. Propuseram leis de reforma agrária, que encontraram resistências entre os patrícios. A morte violenta de ambos adiou, por mais de um século, a solução da crise.

A crise social e a crescente importância do exército provocaram um período de grande instabilidade política na república. Dois grupos disputavam o poder: a antiga aristocracia patrícia, chefiada pelo general Sila, apoiado pelo Senado; e os novos ricos “cavaleiros”, que tinham no general Mário, de origem plebeia, o seu líder. Durante quase três décadas (107 a 79 a. C.) revezaram-se no poder, desgastando as instituições republicanas. Era evidente que cada vez mais o exército era o verdadeiro poder. E o vazio político, devido à perda de autoridade do Senado, foi preenchido por ditadores e triunviratos. O primeiro deles, formado em 60 a. C., era constituído pelos generais Crasso, Pompeu e Júlio Cesar. Este último acabou por prevalecer, tornando-se durante vários anos ditador. Com a morte de Cesar, formou-se o 2º triunvirato, de que faziam parte Lépido, Marco Antônio e Otávio. Circunstancialmente aliados, logo Lépido, o elemento fraco, foi afastado. A rivalidade entre os dois restante eclodiu. Derrotado, Marco Antônio cometeu suicídio. O senado, absolutamente enfraquecido, delegou a Otávio toda a autoridade. Nascia, de fato o império, em 27 a. C.

Didaticamente, o Império Romano, pode ser dividido em dois grandes períodos:

Alto Império Romano (sécs. I e III): época do apogeu romano, de sua maior extensão territorial, da pax romana, com as fronteiras bem guarnecidas. A concentração de riqueza, o alto padrão de vida e poder de compra pelos romanos, a excepcional qualidade das estradas romanas, bem como a segurança nas navegações marítimas etc. No exterior, o Alto Império é marcado pela consolidação da dominação romana no Mediterrâneo, é o tempo da romanização do Império. Foi o período de notável produção cultural, com destaque para a arquitetura e a literatura. É também o momento em que o Império é marcado pelos primeiros sinais de decadência política, que, não estando submetida a um princípio de hereditariedade, afunda nos assassinatos, nos complôs e nas lutas militares.

Com o Baixo Império (final do séc. III e séc. IV) inicia a era da decadência imperial. No exterior o período é marcado pelo fim da pax romana. As guerras civis e as sublevações se multiplicam. Neste período esgotou-se a capacidade ofensiva de romana, não havia mais possibilidade de ampliar o domínio territorial e, consequentemente, a incorporação de mão-de-obra escrava para repor as perdas.

Com a morte de Teodósio, em 395, o império é dividido em duas partes:

Império do Oriente (que se tornará o Império Bizantino) consegue, nos séculos posteriores, manter a sua unidade (até a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453).

Império do Ocidente, submerso pelas invasões bárbaras, divide-se rapidamente em reinos e desaparece em 446, quando o último imperador é deposto. Este Império sobreviveu apenas sete décadas, sobre o ataque dos povos nômades, extinguindo-se em 476.

O período de sete séculos que separa a fundação da República do fim do Alto Império parece hoje fundamental para a formação das instituições políticas ocidentais. É de fato o momento em que, na história da civilização, são imaginadas estruturas jurídicas e administrativas permanentes encarregadas de garantir a supremacia do direito, a promoção da ideia de liberdade e o sonho de uma civilização universal.

A República romana defende desde a sua fundação uma ambição nova: Impor instituições universais apoiando-se na força do direito. Doravante a vida política não é mais colocada sobre a dependência de um príncipe onipotente que desempenha funções divinas. Ela não está destinada a adaptar-se à organização específica de cada cidade. Mais antes, apoia-se, por um lado, em leis precisas, claras e aplicáveis a todos e, por outro lado, na constituição de um aparelho administrativo encarregado de proteger o conjunto das religiões colocadas sobre a autoridade de Roma. Os gregos tinham descoberto a razão; do pensamento fizeram uma ferramenta que permitia decifrar de modo diferente o universo, propor uma reflexão original sobre a sociedade humana e iniciar uma nova forma de legitimidade fundada na ética da discussão. Os romanos, ao dar o papel central ao direito, fazem essa razão entrar no funcionamento concreto das instituições.

A importância concedida pelos romanos ao direito é reveladora de um novo espírito social: ao reconhecer um papel primordial à norma racional, Roma faz do direito a expressão e a garantia da superioridade da sociedade romana sobre as colocações sociais, mas assegura também uma justiça igual entre todos os homens, com exceção daqueles que não gozam dos mesmos direitos, a saber, as mulheres, os estrangeiros e os escravos.

O papel do direito na República romana é indissociável do princípio de liberdade. Para os romanos, a liberdade não é somente um princípio moral; ela adquire uma dimensão propriamente política; está inseparavelmente ligada à cidadania. Na concepção romana, a liberdade cidadã acaba não tendo sentido a não ser que seja igual para todos.  Além da defesa da liberdade do cidadão, o direito é colocado ao serviço de uma ambição universal, a saber, a realização de uma unidade política sobre a égide de Roma. No entender dos romanos, o direito não tem a vocação a limitar-se a um espaço confinado da cidade. À medida que aparece a ambição dominadora de Roma no Mediterrâneo, o direito é percebido como o instrumento que permite unificar a Cosmópolis (literalmente, a “cidade universal”).

O direito romano não forma, sob a República e o Império, um corpus coerente de regras. Só se foi redescoberto na Idade Média que só se constitui na Antiguidade muito lentamente, durante vários séculos, pela sedimentação de regras de natureza múltipla. Certamente, entre as realizações intelectuais dos romanos, o Direito é das mais significativas. Ainda na primeira fase do período republicano, as relações entre as pessoas e entre elas e o Estado (cuja regulamentação é a principal finalidade do Direito) era regidas, em Roma, pelos usos e costumes (direito costumeiro). Por exigência dos plebeus, surgiu a Lei das XII Tábuas, primeira codificação do Direito Romano, que, juntamente com as leis posteriores e as decisões dos magistrados, constituíram o Direito Civil (Jus civile) ou dos cidadãos. Com as conquistas, surgiu o Direito das gentes (jus gentium), que se aplicava às relações com estrangeiros. Mais tarde acabou por se formar um conjunto de princípios jurídicos aplicável a toda a humanidade, ou Direito natural (jus naturale).


* Referente à Obra: NAY, Olivier. História das idéias políticas. Tradução de Jaime A. Clasen. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2007. p. 56-68.

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