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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A PROCLAMAÇÃO DA SOBERANIA DO POVO

De acordo com NAY, a historiografia da Revolução Francesa foi construída durante mais de dois séculos de estudos e de trabalhos. Isto quer dizer que a diversidade das analises e das interpretações que os historiadores nos transmitem mostra que seria bastante ilusório querer dar uma explicação unívoca para o desmoronamento do Antigo Regime. Porém, entre os trabalhos que se interessam pelas ideias políticas do final do século XVIII se pode identificar suas sensibilidades de análise: a da herança e a da cultura. É na perspectiva da herança que tomaremos por definição, de modo geral, a Revolução, na qual (a perspectiva da herança) diz que, a Revolução é o resultado dos séculos anteriores, em particular, do formidável movimento de emancipação do Iluminismo. Segundo essa visão, a Revolução seria, na história, o resultado da lenta transformação das concepções do mundo, sempre mais favoráveis ao reconhecimento da razão e do indivíduo. Mais precisamente, seria a expressão política, repentina e brutal, do desenvolvimento da aspiração à liberdade e do sentimento de igualdade na sociedade.

A Revolução Francesa nasce em um contexto de uma monarquia absoluta que não reconhece senão a influência da nobreza e do alto clero. Haja vista, inclusive, que a monarquia francesa sempre recusou o princípio de uma representação parlamentar aberta às elites liberais.

Partindo deste pressuposto, podemos afirmar com NAY, que foram os revolucionários franceses, grosso modo, os primeiros a tentar justificar, numa proclamação universal, a ideia de que o poder tirava toda, senão maior parte, a sua legitimidade da vontade do povo. Certamente, nas primeiras horas da Revolução (referindo à Revolução Francesa) segundo NAY, os deputados da Constituinte, em sua grande maioria, são francamente hostis à participação direta das massas no governo. No entanto, proclamam solenemente a soberania do povo, tendo como meta política justificar a ruptura com a sociedade do Antigo Regime. Quer dizer, aqui já se vê, apesar das reticências de numerosos deputados, a ideia de uma nova soberania que vem de baixo.

Ao que diz respeito à história parlamentar da Revolução Francesa, pode-se dizer, que é amplamente dominada pela luta entre partidários, onde se classificam como: os de uma ruptura política radical e os defensores de uma transformação limitada das instituições. Que isto quer dizer?! Quer dizer, exatamente, que a vida política não é então controlada por partidários políticos tal como existem atualmente; é antes, controlada por movimentos mais ou menos efêmeros, eles mesmos divididos em clãs controlados por homens de doutrina ou hábeis oradores da assembleia. Cabe dizer, as elites revolucionárias se encontram especialmente dentro de clubes políticos dos quais os mais influentes são o Clube dos Jacobinos, dos Cordeliers e o dos Feuillants. Aqui, podemos entender que, eles se agrupam igualmente por afinidade ideológica dentro dos próprios clubes. Entretanto, em meio a todas essas divisões/junções entre clubes e facções provocam frequentes cisões e recomposições que não cessam de complexificar a paisagem política entre os anos 1789 e 1794.

Robespierre: a moral, a igualdade e o povo

Maximiliano de Robespierre é considerado um dos principais inspiradores das reinvindicações montanhesas, não por sua oratória, mais antes, por ser um temível tático político. Sua morte se deu no ano de 1794 (foi guilhotinado, por volta dos 35 anos de idade). Esteve durante algum tempo à frente (superior de certas ordens) do Clube dos Jacobinos, onde combate as posições moderadas dos girondinos, ele, que é chamado, segundo NAY, de “o Incorruptível” é partidário de uma mudança total da sociedade. Tem-se por convencido de que a realização, de fato, da sociedade revolucionária não pode ser o resultado de uma simples reforma institucional. Quer, pois, afirmar: “Só o exercício da moral pode ajudar a realizar a justiça. Por isso é preciso basear a política sobre a virtude que, segundo ele, se exprime na “frugalidade” (sobriedade, abstinência, autocontrole)” (NAY, 2007, p. 264).

Robespierre, segundo nos atesta NAY, é profundamente deísta e fortemente inspirado pelas teses de Rousseau sobre a “religião civil”. Sabe-se que em suas argumentações ele (Robespierre) denúncia à impiedade, que para ele representa uma atitude profundamente enraizada na nobreza do Antigo Regime. Com relação ao ideal social (sociedade) pretende fazer triunfar na sociedade a religião do “Ser supremo”, a qual empreende a busca de Deus fora das verdades assentadas pelo cristianismo. Desse modo, virtude cívica e engajamento espiritual, por assim dizer, estão ligados, implicando, para ele mesmo, (Robespierre) uma disciplina estrita de vida que lhe dará uma imagem de profunda austeridade.

Quando se fala sobre moral e religião, que para Robespierre, ambas, devem ser postas ao serviço de uma meta, a igualdade, não se trata de uma simples igualdade de direitos, senão que de uma igualdade social que implica um nivelamento das riquezas. Com isto ele (Robespierre) não tende a rejeitar a concepção de liberdade exposta pela Declaração de 1789, que a vê como uma autonomia individual garantida pela segurança, pela propriedade, pela igualdade perante a lei, pela liberdade de consciência, inclusive, e pela livre comunicação seja dos pensamentos e/ou das opiniões.

Já no plano institucional, atribui ao povo uma faculdade de querer que se exprime na vontade geral. Pode-se dizer que ele é um dos mais ardentes partidários das teses rousseauístas. A soberania pertence ao povo; só o povo unido em corpo político pode exercê-la, e ainda, nenhuma fração desse corpo, nem nenhum delegado, pode atribuir-se ao seu exercício.

Indo além de Rousseau acerca da forma que o corpo político deve tomar, ele vê no estado republicano, que por sua vez, acabava de ser proclamada, a manifestação do povo soberano, e, em consequência o lugar em que exprime a vontade geral. A este respeito, diz Robespierre segundo NAY: “Por essa razão, o Estado deve dispor de uma autoridade absoluta sobre as vontades individuais”. Por isso, a opção liberal que prega o equilíbrio dos poderes como penhor da moderação política constitui, para Robespierre, um absurdo, pois que introduz poderes intermediários face à vontade geral. Assim, também o executivo, as autoridades locais, a justiça não poderiam ser órgãos independentes, pois, são apenas agentes, que neste caso, prolongam a vontade do povo soberano.

Saint-Justa: da degradação social ao sobressalto revolucionário

Luís Antônio Saint-Just ao contrário de Robespierre é considerado um orador hábil e rigoroso e, se revela também dogmático e intransigente, ao ponto de pregar publicamente o recurso ao terror em 1793, onde dizia: “Nenhuma liberdade aos inimigos da liberdade” (NAY, 2007, p. 265). É sabido que ele tenha elaborado, também, uma teoria política, na qual, exprime um profundo pessimismo social e está bastante afastada de sua prática revolucionária.

Na teoria dos dois estados Saint-Just defende essa perspectiva, por assim dizer, histórica com a ajuda de uma distinção entre o estado social e o estado político. Onde, O Estado Social governa a vida interna de cada espécie, isto é, cada povo definido por uma identidade singular. Bem dizer, neste estado a sociedade está unida e solidária. Aqui a força e a brutalidade são banidas. O que reina entre os homens é a igualdade perfeita. Além disso, há uma identidade que une o povo e que o distingue dos outros povos e, por conseguinte, fortalece sua independência. Por fim, há também, dois princípios sobre os quais se estabelece o referido estado que são a harmonia e a unanimidade. Por outro lado, O Estado Político, por sua vez, tem como meta governar as relações entre os povos (atualmente pode se referir às relações internacionais). Este estado está fundado sobre a rivalidade, pois cada espécie busca em geral se proteger frente às outras espécies que não têm nem a mesma identidade nem a mesma história. Em tese, este estado é, pois, marcado pela guerra, onde submete os povos mais fracos à dominação dos mais fortes.

Contudo, Saint-Just não concorda com este ideal, onde o fraco é submisso ao forte. Para ele a reconstrução da unidade social implica em restabelecer a igualdade e banir todas as expressões da dominação dos fortes sobre os fracos. Supõe eliminar, na ordem política, o poder que os governantes exercem sobre os governados. Toda forma de poder conduz, à criação de relações de dependência entre senhores e súditos. Enfim, Saint-Just considera a sociedade como uma ordem auto reguladora, passa a precisar suas posições sobre o Estado, que ele concebe como o lugar em que se forma a vontade geral. Segundo ele, a sociedade preexiste à ordem política, pois ela é a entidade natural na qual os homens vivem. Neste aspecto, O Estado é apenas uma expressão da sociedade, o momento em que as vontades dispersas se ajuntam para formar um desígnio comum. A sociedade é uma obra natural que foi degradada pela ação dos homens.
O extremismo revolucionário: hebertistas e babovistas

Entre os revolucionários radicais, Jacques-René Hébert e seus partidários, pesaram de modo poderoso na vida política entre os anos 1792 e 1794. Haja vista, que bem diferente de outros grupos extremistas como, por exemplo, os “Enraivecidos” que durante o ano 1793 participaram na radicalização da política revolucionária, porém não conseguiram formular propostas ideológicas reais, os “Hebertistas” distinguiam-se, sobretudo, pela coerência de seu projeto político. Aqueles, ainda, que são chamados de “Novos Cordeliers” não pretendem limitar-se à agitação popular; pretendem, igualmente, pesar nos debates parlamentares e no voto de leis revolucionárias.

Entre as doutrinas revolucionarias, o “Babobismo” é o pensamento que leva mais longe as exigências igualitaristas. Tem como fundador, Gracchus Babeuf, que, faz votos de uma sociedade capaz de reinar uma igualdade perfeita entre os homens. Jornalista no período da Revolução e Líder insurrecional, fundador do Clube do Panteão (1796), e diretor de jornais revolucionários. Foi denunciado antes mesmo de ter podido levar a termo sua empresa, foi preso e depois executados juntamente com seus companheiros.

Entretanto, a originalidade do babovismo não reside na reinvindicação igualitária, nem no recurso à ideia do contrato social, nem tampouco no apelo à ação insurrecional nem na recusa determinada de toda instituição representativa. Mas, ela se exprime no projeto político que ele (Babeuf) desenha para a França. Ele pretende instaurar uma sociedade fundada na coletivização dos bens. O objetivo é permitir que todos os homens, sem discriminações, gozem de todos os bens.

A política da Razão

Tanto a filosofia da liberdade quanto a da razão estão representadas na Assembleia, praticamente, durante quase toda a Revolução. Ambas são defendidas pelos deputados da Constituinte que voltam à abolição dos privilégios (em 1789) e, mais adiante, se pronunciam a favor da monarquia constitucional (por volta de 1791). Ainda dominam o Legislativo no momento em que os feuillants e os girondinos se alternam no poder (1791-1792).

Condorcet

Matemático e filósofo, Jean Antoine Caritat, marquês de Condorcet, é considerado, entre outros, uma das grandes figuras da Revolução. Foi eleito deputado para a Assembleia Legislativa no ano 1791, torna-se presidente em 1792. E é novamente eleito deputado para a convenção girondina. Seu apelo ao povo contra a Convenção montanhesa, logo após a adoção da constituição de 1793, levou-o perante o tribunal revolucionário. Depois de ter refugiado por mais ou menos cinco anos sobre os cuidados de Madame Vernet, é preso ao tentar fugir de Paris. Envenena-se na cela para escapar da guilhotina.

Quando mencionamos, acima, que Condorcet é uma grande figura, não quis de modo algum dizer que ele é famoso por sua obra filosófica, mas por ter sido na Assembleia, um dos defensores do espírito das luzes. É dizer, dedicou uma confiança absoluta ao espírito humano na sua busca da verdade, e mais, considera o uso da razão como o principal caminho que leva à felicidade humana. Para Condorcet, a educação constitui o principal meio de emancipação do indivíduo: liberta das superstições; é, portanto, o instrumento da liberdade. Segundo ele, os conhecimentos devem estar acessíveis a todos os homens.

Condorcet expõe, já na tradição do Iluminismo, uma teoria do progresso, onde os homens teriam progressivamente saído das trevas para chegar à luz por meio do aperfeiçoamento do espírito humano. Para ele, é a acumulação dos conhecimentos filosóficos, científicos e técnicos que fez a humanidade progredir.

Os Ideólogos

É à luz da memória das violências revolucionárias que numerosos filósofos incitam a defender a moderação no exercício do poder, isto é, a fim de restaurar a estabilidade política. O desejo destes é participar na difusão das ideias do Iluminismo na sociedade francesa. A ideologia afirma que a conquista da liberdade e da igualdade não é um assunto de regime político; implica antes de tudo uma adesão plena e consciente de todos os cidadãos aos novos valores. É realmente, segundo eles, mediante o desenvolvimento de suas faculdades de raciocínio que o cidadão pode libertar-se das cadeias do obscurantismo que são a tradição e a moral.

Os ideólogos são desconfiados em relação ao mito da soberania popular defendida pelos russoístas. Quer dizer, ao sair de vários séculos de jugo religioso, o povo, segundo os ideólogos, não possui o conhecimento que lhe permitiria governar-se. Os ideólogos condenam as teses regalistas que preferem as regras da tradição às leis da razão. Para eles a sociedade é antes de tudo uma república de cidadãos esclarecidos que permitiria a cada indivíduo emitir julgamentos sobre os assuntos comuns.

Os ideólogos têm duas grandes prioridades sobre a melhor política a seguir. Primeiro, retomando as teses de Condorcet, onde fazem da instrução o principal instrumento da construção republicana. Em segundo lugar, os ideólogos se preocupam em não fechar o governo político nas fronteiras nacionais.

O Povo-nação erigido em soberano

Tocqueville tenta mostrar, em O Antigo Regime e a Revolução, que a especificidade da Revolução Francesa centra-se no encontro de duas paixões, as quais animaram o coração dos franceses durante todo o século XVIII. Primeira; Uma mais profunda que vinha de mais distante é o ódio violento e inextinguível à desigualdade. Segunda; mais recente e menos enraizada, os levava a querer viver não somente iguais mais livres.

Já pelo fim (declínio) do Antigo Regime, ambas as paixões parecem igualmente sinceras e vivas. Com a entrada da Revolução, mais adiante, elas se entrelaçam (misturam) e se confundem por um momento, se aquecem mutuamente no contato e inflamam ao mesmo tempo todo o coração da França. Aqui, pode-se dizer, segundo a visão dos historiadores, que o que distinguiria a experiência francesa das revoluções inglesa e americana, ditas essencialmente liberais, é a paixão pela igualdade. Inclusive, está também na origem de uma das mais importantes inovações da Revolução a, dita cuja, proclamação da soberania da nação.

Com relação à herança de Rousseau, destaca-se a soberania do povo. Podemos afirmar, desde já, que em sua obra o contrato social, houve quem a reinterpretassem, com objetivo, de adaptá-la aos seus intuitos do momento. Quer dizer, os deputados que apelam para o filósofo genebrino (Rousseau), divergem do pensamento de seu mestre em muitos pontos. Os deputados franceses tiram suas ideias centrais sobre a soberania desta obra política. Ai dizer, com NAY, por que o pensamento de Rousseau foi muitas vezes considerado como fonte de inspiração dos revolucionários e consequentemente de prefiguração filosófica da Revolução.

Diferentemente de Saint-Just, Rousseau percebeu que o povo estava se tornando não somente, agora, a fonte de todo poder, mas que parece estar em condições de se governar diretamente. Para Rousseau, enquanto os seres humanos viviam independentes, livres iguais no estado natural, sua entrada na sociedade, depois de firmado o contrato social tendera a contribuir para desenvolver conflitos estéreis, as desigualdades de situação e os comportamentos ociosos. Assim, a parábola, por assim dizer, do contrato social para Rousseau, é realmente ocasião de fazer uma crítica mal dissimulada da sociedade do século XVIII, onde o homem mal governado, é vítima da injustiça e da tirania. Pode-se dizer, serve de ponto de partida para uma reflexão filosófica de uma sociedade justa onde reinaria a paz e a harmonia.

Para tal, Rousseau elabora o projeto de um novo contrato social, o qual permitiria que os homens na sociedade, conservassem a autonomia, a liberdade e a igualdade das quais se beneficiavam no estado natural.

Contudo, neste contrato social de Rousseau, a ideia capital é a implicação que todos os homens (indivíduos) aceitam perder sua liberdade natural. Mediante a associação, começam a colocar sua potência e seus direitos no conjunto da sociedade. Quer dizer, tornar-se-ão (os homens) o povo inteiro, unidos pelo compromisso de cada um, pode, assim, formar um copo político (isto é, distinguindo da multidão dispersa dos indivíduos). Assim, se os homens aceitam tais cláusulas, é porque conseguem uma vantagem considerável: submetidos às leis comuns, podem preservar sua independência, garantir uma segurança real e, ainda, proteger sua propriedade privada. Firmando este contrato, o indivíduo não perde todos os seus direitos ao apelar para o corpo político, uma vez que o povo, reunido sobre uma mesma convenção, permanece o detentor do poder soberano. Dessa forma, cada indivíduo, enquanto parte constituinte indivisível do todo, continua a exercer seus direitos e não obedecer senão a ele mesmo sem ser submetido à tutela de um poder superior. Isto quer dizer também que como membro do corpo político, o cidadão, está diretamente implicado nos assuntos políticos.

A rejeição de todo mecanismo representativo

Rousseau é também considerado o primeiro filósofo das luzes, isto porque foi ele quem primeiro formulou um projeto coerente de democracia geral, ou seja, definiu as condições que permitem que os indivíduos participem da formação da vontade geral. Ele rejeita a ideia de um “representativo” e, no lugar deste, coloca o povo, exatamente para livrar a sociedade de todas as usurpações de poder concentrado pessoa de um único representante (ou deputados). Assim só a democracia direta, que ele define como o governo fundado sobre a participação ativa e incessante dos cidadãos na vida política, permite que o povo conserve a sua soberania e não se faça privar dela por uma casta ou tirano.

Segundo NAY, o raciocínio de Rousseau é o seguinte: “Se cada cidadão aceita submeter-se à vontade geral, é porque, em contrapartida, tem o direito de participar na formação desta. Seria absurdo se num momento ou noutro fosse privado desse direito de participação. Por esta razão, cada cidadão detém uma parcela da soberania que ele se compromete a exercer e que ninguém pode retirar dele. Noutras palavras. Todo cidadão tem um direito de sufrágio e deve exercê-lo pessoalmente. Participação desse modo da formação da vontade geral” (NAY, 2007, p. 277).

Uma concepção arcaica da sociedade

Há quem o diga que o modelo da vontade geral permanece muito distante dos fundamentos da filosofia política moderna, e, consequentemente (alguns filósofos) elencam a este respeito duas fraquezas principais do contrato social. Em primeiro lugar, Rousseau defende uma visão “antiga” da sociedade, visto que a apresentação como uma entidade superior, unificada e indivisível está acima dos interesses dos indivíduos. Em suma, se Rousseau é o pensador da democracia, seu pensamento é radicalmente antiindividualista; não se preocupa em nenhum momento com a liberdade individual e a subjetividade dos direitos.

Em segundo, Rousseau foi censurado por expor uma teoria unanimista que ignora o pluralismo e dissolve todos os corpos sociais do Estado. No modelo do contrato social, as minorias políticas não podem defender seus interesses particulares, visto que se comprometem a unir-se à vontade geral – com uma exceção: Rousseau considera que existe um domínio provado em que as opiniões são livres porque elas não se referem aos assuntos públicos. A apreciação do Contrato é, portanto dupla. De um lado, Rousseau não é, em nenhum caso, o artesão de uma sociedade moderna que faz da liberdade individual e do equilíbrio dos poderes as condições da justiça. Por outro, porém, permite uma evolução intelectual importante ao reatar com o espírito democrático num momento em que a sociedade ainda está submissa às regras da ordem feudal.

Mais adiante, e, se tratando, pois agora, da transferência da soberania ao povo, mais precisamente. A proclamação da soberania do povo já conta com um alcance político bem maior que a tese da soberania. Quer dizer, segundo esta (soberania), o poder soberano reside, ainda, no Estado, potência suprema colocada acima da sociedade. Nos argumentos doutrinários, a soberania é, pois, assimilada de facto à pessoa do rei, isto é, encarnação viva do Estado. A concepção revolucionária opera uma inversão de legitimidade; proclama que a soberania se concentra na sociedade, quer dizer, no corpo político formado pela comunidade dos homens. Outrora excluído da esfera de comando, o povo se substitui ao rei (transferência da soberania ao povo), e sua vontade se torna princípio fundador da ordem política. Ele é ao mesmo tempo a origem e o depositário da potência soberana.

* Referente à obra: NAY, Olivier. História das idéias políticas. Tradução de Jaime A. Clasen. Rio de janeiro: Petrópolis, 2007. p.263-286.




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