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terça-feira, 10 de maio de 2011

EMPIRISMO DE D. HUME

A filosofia de Hume, tal como as demais filosofias empiristas e racionalistas, se acomoda perfeitamente a problemática até aqui discutida. A problemática gira em torno da relação entre a realidade interna (mente) e a realidade externa (natureza). Com Hume, essa problemática desloca-se para o ceticismo. Vejamos como isso ocorre.

Tal como Locke que nos fala de uma realidade interna (reflexão) e da realidade externa (sensação), Hume atribui à realidade interna a indicação própria de "relação entre idéias" e, para a realidade externa a de "questões de fato". Portanto, em Hume, se envolver com a problemática acima descrita é perguntar pelas questões de fato.

Senão vejamos, segundo Hume, todas as percepções da mente pertencem a dois patamares distintos: às idéias e às impressões. As percepções se distinguem pela VIVACIDADE que possuem. As impressões são as percepções mais vivazes. As idéias são menos vivazes devido ao fato de que idéias são cópias de impressões. As cópias são sempre imperfeitas. As cópias das cópias, além de serem imperfeitas, são obscuras e confusas. As cópias das cópias seriam as idéias abstratas de Locke que Berkeley já tinha criticado e, que Hume também não aceita. Diz David Hume em sua INVESTIGAÇÃO (1748).

"E as impressões distinguem-se das idéias, que são as impressões menos vivazes das quais temos consciência quando refletimos sobre qualquer dessas sensações ou movimentos acima mencionados." (IEH, paragrafo 12)

Os movimentos que Hume fala são de sentir, amar, odiar, desejar ou querer que em si mesmos são percepções mais vivazes, mas que, no entanto, se refletirmos sobre tais movimentos obteremos idéias ou cópias dessas impressões.

Agora podemos distinguir os dois momentos fundamentais da filosofia humeniana: em primeiro lugar, a realidade externa. A passagem da impressão para a idéia. Em segundo lugar, a realidade interna. A passagem da idéia para outra idéia. Teremos assim:

1º Momento: Realidade Externa (Questões de Fato)

Impressão X »»»»»»»»» Idéia Y

2º Momento: Realidade Interna (Relação de Idéias)

Idéia X »»»»»»»»»»» Idéia Y

Segundo Hume, "todas as nossas idéias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vivas." (IEH, paragrafo 13) Portanto, toda idéia deve necessariamente ter seu correlato em uma impressão. A questão essencial sobre a realidade externa (questões de fato) será a seguinte: DE QUE IMPRESSÃO DERIVA TAL IDÉIA?

Questão mais simples, mas que mantém estreita relação com o que foi acima exposto, é a relação entre idéias (realidade interior). Para Hume, passamos de uma idéia para outra mediante a ASSOCIAÇÃO, isto é, pela associação de idéias Hume enumera três princípios de associação de idéias: (a) semelhança; (b) contiguidade de tempo e espaço; (c) causa e efeito.

O problema de Hume é a natureza das questões de fato. Ora, se as questões de fato se fundamentam na relação de causa e efeito, na medida em que "... supomos constantemente que existe uma conexão entre o fato presente e o que dele inferimos" (IEH, paragrafo 22), transportamos a questão para a natureza de nossas relações de causa e efeito. Como chegamos ao conhecimento dessa relação de causa e efeito? Segundo Hume, alcançamos a relação, de causa e efeito pela experiência. Portanto, em última instância, a realidade exterior deriva-se da experiência. As questões de fato derivam da experiência. Mas Hume vai adiante em sua INVESTIGAÇÃO e pergunta-se: qual é o fundamento de nossa experiência? Os empiristas até aqui, não tinham, em momento algum, se perguntado sobre aquilo que fundamentava a realidade exterior. Até aqui tinham descrito processos de como atingimos o conhecimento das coisas que estão fora de nós. Isso é claro em Locke, por exemplo. O que era DADO para o empirismo, o que era "percepção imediata", agora é questionado.

Até aqui Hume é sistemático e racional. Seu irracionalismo é marcado pela seguinte passagem: "Digo, pois, que, mesmo depois de termos experiência das operações de causa e efeito, as conclusões que tiramos dessa experiência NÃO são fundadas no raciocínio ou em qualquer processo do entendimento. Devemos agora esforçar-nos por explicar e defender essa resposta." (IEH, paragrafo 28). A natureza somente mostra sua face superficial, a face superficial dos objetos, quando avançamos e perguntamos pelos princípios que permitem nós conhecermos os objetos, a natureza se fecha em si mesma. Oculta-nos tudo.

Há uma uniformidade na natureza, mas qual é o princípio responsável por essa uniformidade? É o princípio de causalidade (causa e efeito). Mas qual é o fundamento do princípio da causalidade? A experiência. Qual é a natureza da experiência? Não há maneira racional de explicar essa natureza.

Os objetos da natureza estão dispostos de tal maneira que constatamos neles uma uniformidade : de um evento segue-se outro evento. Mas como justificar essa uniformidade, se a natureza oculta a sua VERDADEIRA face? Diz Hume:

"Mas, apesar dessa ignorância dos poderes e princípios naturais, ao ver qualidades sensíveis semelhantes sempre presumimos que elas possuam poderes secretos semelhantes e esperamos que daí decorram efeitos análogos aos que já experimentamos." (IEH, paragrafo 29)

Essa uniformidade da natureza, isto é, a conjunção constante de eventos observada por nós, implica necessariamente na experiência. Dessa implicação resulta outro problema mais grave: o problema da indução. A experiência, segundo Hume, nos dá informações diretas e certas sobre a natureza EM UM PERÍODO PRECISO DE TEMPO. Ora, se as coisas, os objetos da natureza, existem em tempos diferentes, logo, eles deveriam ser distinguiveis. As experiências deveriam ser distintas. Mas nós supomos uma identidade que atravessa todos os segmentos de tempo. Se assim não fizessemos, a OBJETIVIDADE estaria ameaçada. Está colocado o ceticismo. Diz Hume:

"Quanto à experiência passada, pode-se admitir que fornece informações DIRETAS e CERTAS apenas sobre aqueles objetos precisos e aquele período preciso de tempo de que teve conhecimento: mas por estender essa experiência aos tempos futuros e a outros objetos que, tanto quanto nos é dado saber, podem ser semelhantes apenas na aparência? Essa é a questão fundamental em que desejo insistir." (IEH, paragrafo 29)

Portanto, qual é a impressão que corresponde a idéia de causalidade (uniformidade da natureza)? Segundo Hume, é pelo COSTUME ou HÁBITO que somos levados a esperar que a natureza nos forneça experiências semelhantes. A natureza (fundamento) da experiência é o hábito ou o costume que se sedimenta em nós pela REPETIÇÃO. Repetidas vezes observamos determinado evento ou objeto da natureza. Constatamos uma uniformidade que extendemos para tempos futuros. Aquilo que observamos em um determinado período de tempo, generalizamos para todos períodos de tempo, sem percebermos que se há tempos diferentes, os eventos ou objetos da natureza deveriam se manifestar de maneira diferente.

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