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quarta-feira, 18 de maio de 2011

GABRIEL MARCEL

Representante a vertente católica do existencialismo

É sabido que o existencialismo é a corrente filosófica que surge na Europa após a primeira Guerra Mundial e se expande principalmente após a segunda Guerra Mundial, retratando e transmitindo a angustia e a dilaceração que os dois conflitos mundiais deixaram na humanidade. Esta corrente valoriza apenas o homem singular, preocupando-se com sua existência e as possibilidades que apresenta (não o ser, mas o poder ser), o homem não teria essência mais apenas existência. Em definitivo, representa uma renúncia à metafísica das essências, buscando algo absolutamente novo, que todos sintam, mas que acaba flutuando no ar, de modo a considerar que o ser não mais que suas manifestações.

Em traços gerais, ouve, portanto, quem enxergasse em todo este envolto (da corrente filosófica existencialista) uma passagem, e este foi Gabriel Marcel que, podemos dizer, com sua inteligência viva e produtiva não aderiu esta corrente, nem tampouco se ocupou somente com uma dissertação filosófica, suas atividades intelectuais abrangem, além da filosofia, o teatro a música etc., e travou uma batalha em defesa do concreto contra o espírito de abstração racionalista e em defesa de Deus contra o culto do moralmente absurdo levado pelo existencialismo sartreano. Pode-se dizer que “passar da filosofia existencialista de Sartre a Marcel é como passar da incredulidade á fé, do desespero à esperança, do ódio ao amor, da solidão à comunidade, do nada ao ser, enfim, da obscuridade à luz” (Lenz, p. 205).

Embora Marcel figure entre os primeiros autores contemporâneos que escreveram sobre temas existencialistas (já em 1914 em um artigo, segundo Reale, intitulado como “Existence et Objectivité” expôs pensamentos existencialistas), e já tenha, tenha, em certa ocasião concordado em ser chamado de existencialista cristão, o pensador francês prefere, porém, a denominação de neo-socrático, como dito acima. A razão dessa mudança parece-nos, pode ser atribuída a dois fatos: à possibilidade de um mal-entendido do grande público “incapaz de distinguir uma filosofia cristã da existência, do existencialismo à moda de Sartre” (GIORDANI, 1976. p. 114), e a publicação da encíclica Humani Generis, esta por sua vez alerta os católicos contra o irracionalismo, o subjetivismo e o relativismo contidos nas teorias dos principais autores existencialistas.

Gabriel Marcel nasceu em Paris aos 07 de Dezembro de 1889. Sabe-se que seu pai foi conselheiro de estado, ministro da França em Estocolmo, diretor de Belas Artes na Biblioteca Nacional e nos Museus Nacionais, era de formação católica, “professava uma elevada moralidade e possuía um conceito severo da vida” (GIORDANI, 1976. p. 116), porém sentiu a influência do agnosticismo tão comum do século XIX. A mãe de Marcel, que ele perdeu aos quatro anos de idade, era de ascendência israelita e possuía brilhante vivacidade e extraordinária capacidade de adaptação. Após a morte da mãe, Marcel foi educado por uma tia materna com a qual seu pai havia contraído novas núpcias. Convertida ao protestantismo, a madrasta de Gabriel era péssima em sua concepção da natureza e da vida humana, vendo na mais severa e rigorosa autodisciplina o único meio seguro de garantir uma convivência feliz entre os homens e combater o desenfreio das paixões. “Marcel foi, assim, alvo de cuidados que raiavam pelo exagero e educado numa atmosfera de escrúpulos morais, de medidas de higiene profilática. O horror aos micróbios e impurezas permaneceu gravado nele como repugnância a toda experiência externa, que lhe parecia, por conseguinte, suspeita e impura” (GIORDANI, 1976. p. 116).

A vida intelectual de Gabriel Marcel foi sempre intensa: além de viagens de estudos, da crítica literária e artística e da investigação filosófica, dedicou-se também ao magistério lecionando filosofia. Marcel, iniciou seus estudos com uma investigação sobre a influencia de Schelling em Coleridge e as relações entre as filosofias inglesa e alemã, atravessou uma fase hegeliana e gosta de comparar sua crítica de Bradley, Bosanquet e royce com a crítica de Kierkegaard contra Hegel. Segundo Giordani, Marcel libertou-se pouco a pouco, do idealismo após um detido estudo dos neos-hegelianos ingleses e, especialmente,de Royce (La métaphysique de Royce, 1945), para chegar a uma filosofia subjetiva existencial. “Partiu da ideia de que, para responder à questão da existência de Deus, é imprescindível precisar, primeiro, o conceito de existência. As investigações a respeito levaram a uma filosofia concreta” (Bochenski, p. 196).

Entre as obras filosóficas, peças teatrais e numerosos artigos de autoria de Gabriel Marcel citem os seguintes:
Obras filosóficas;                                                                         Peças Teatrais;
1927. Journal Métaphysique.                                                         1914. Le Seuil invisible
1935. Être et avoir                                                                         1921. Le coeur des autres
1940. De refus à l’invocation                                                          1923. L’Iconoclaste
1944. Homo viator                                                                         1925. Um homme de Dieu
1951. Le mystère de l’être                                                              1931. Trois pièces.


As fontes do pensamento de Gabriel Marcel
A primeira fonte do pensamento de Marcel é sua própria existência. Ele mesmo acentua que se deve ter vivido os problemas filosóficos e pelos mesmo sofrido: “quem não viveu um problema filosófico, quem não foi oprimido pelo mesmo, não pode, de modo algum, compreender o que este problema significou para os que o viveram de antemão: a este respeito as posições se invertem, e a história da filosofia pressupõe a filosofia e não o inverso. De minha parte inclinar-me-ia a negar a qualidade propriamente filosófica a toda obra em que não se possa discernir o que chamarei a mordida do real. A filosofia concreta nasce não somente de uma tensão criadora, continuamente renovada, entre o eu e as profundezas do ser, da mais estrita e rigorosa reflexão, fundada na experiência vivida até o limite de sua intensidade” (GIORDANI, 1976. p. 118).

A predileção de Marcel pelo distante, misterioso, esquecido, encontra suas raízes na tortura interna e na rebeldia provocadas pelo já mencionado sistema de ensino que concedia preeminência, por assim dizer, ao abstrato, ao impessoal, ao objetivo.

Desde o inicio de seu filosofar, Marcel procura “dar à existência aquela prioridade metafísica que lhe havia tirado o idealismo. Note-se que, entre os pensadores existencialistas, Marcel é o que mais se aproxima de Kierkegaard, embora nada houvesse lido do filosofo dinamarquês, quando desenvolveu suas ideias fundamentais. Embora Gabriel Marcel tenha iniciado sua atividade filosófica sem nada haver lido de Kierkegaard e de Jaspers, segundo sua própria confissão, ocupa, não obstante, uma posição que o aproxima muito de ambos os pensadores mencionados” (GIORDANI, 1976. p. 118-119).

Estudando a formação filosófica de Marcel, Sciacca faz as seguintes importantes observações: “Sua filosofia não é nem fenomenológica nem kierkegaardiana ou nietzschiana; seu existencialismo é anterior ao alemão e, levando-se em conta a data em que começou seu Diário Metafisico, também ao de Barth, enquanto é quase contemporâneo aos escritos mais significativos de Unumano. Sua ontologia é existencial, porém quer, de certo modo, enlaçar-se com a tradicional. Marcel se insere na tradição francesa não cartesiana de Pascal a Bergson e Royce” (GIORDANI, 1976. p. 119).

Quanto ao método de Marcel, este se aproxima do de Husserl: toma uma situação concreta como as relações entre mim e outro, a representação de uma cena passada ou de uma cena que se passa a distância, a esperança, e faz da mesma uma analise fenomelógica aprofundada até tornar-se hiperfenomenológica, atingindo, assim, além do que é imediatamente dado, a saber.

O pensamento de Gabriel Marcel
O problema e o Mistério: Pode-se dizer que um dos pontos básicos do pensamento filosófico de Marcel é a distinção entre Problema e Mistério, diz ele, segundo Giordani: “Isto se refere à distinção central para mim e que me aparece hoje como pressuposta, na realidade, em todo o conjunto de meus escritos filosóficos, embora só em outubro de 1932 se tenha formulado de modo expresso: Distinção do mistério e do problemático. O problema é algo com que nos encontramos, que nos corta o passo. Está inteiro diante de mim. Ao contrário, o Mistério é algo em que estou metido, cuja essência, por conseguinte, é não estar inteiro diante de mim. É como se neste contexto a distinção do em mim e do ante mim perdesse seu significado” (GIORDANI, 1976. p. 120). Quer dizer, um problema é, pois, algo que encontro diante de mim, que posso objetivamente delimitar e reduzir. Um mistério é algo em meu próprio ser está implicado e comprometido. Diante do problema minha atitude é a de um simples espectador: no Mistério eu mesmo sou o ator.
Marcel observa que para o racionalismo, que explica os efeitos pelas causas, tudo no mundo é completamente natural. A zona do natural coincide com a do problemático. Tentação de transformar o Mistério em um Problema, de degradá-lo a simples problema.

Todo o sobrenatural é Mistério, mas nem todo Mistério é sobrenatural. O mistério, segundo Marcel, é algo que está em mim, algo em que eu mesmo me encontro em que estou envolvido, e que, portanto, não pode ser oposto a mim. Ao passar do Problema para o Mistério, supero o alheamento, não havendo mais a distinção entre o em mim e o ante mim, entre o fora e dentro.

Ser e Ter:
A distinção entre Ser (être) e Ter (avoir) é fundamental na ontologia de Marcel. É bem verdade, que esta distinção nasce da dupla experiência de meu corpo e do fato de pertencer eu ao mundo onde se encontra os instrumentos de minha existência. Ter diz respeito a coisas que me são externas e que de mim não dependem, embora eu seja proprietário das mesmas e possa delas dispor.

Marcel distingue duas formas de ter: o “avoir-possession” e o “avoir-implication”. O primeiro é o Ter possessivo que só se realiza onde há fora e dentro em recíproca tensão: “um certo quid se relaciona com um certo qui tratado como centro de inerência ou de apreensão. Exemplo: eu tenho uma bicicleta. O segundo é um Ter implicativo ou incluso: assim, por exemplo, um corpo tem propriedades; o que significa que tais propriedades ou lhe são intrínsecas ou nele radicam: “quando digo que tal corpo tem tal propriedade, esta me aparece como interior ou como enraizada no interior do corpo que ela caracteriza. Observo, de outro lado, que não podemos pensar na implicação aqui sem a potência, por obscura que seja esta noção” (GIORDANI, 1976. p. 123).

Já o Ser, para Marcel, é aquilo que oferece resistência a uma analise exaustiva orientada para os dados da experiência, pois do Ser não há experiência alguma. Marcel considera inseparável a existência, a consciência de si como existente e a consciência de si encarnado. Para Marcel, a união da alma com o corpo não é essencialmente distinta da união da alma com as demais coisas existentes: afirmar a existência de uma coisa é como afirmar não só que essa coisa pertence ao mesmo sistema que meu corpo, mas que está também, de certo modo, unida a mim como meu corpo.
Deus:
O homem que vive na esfera do problema e do Ter só possui opiniões mutáveis. Aquele, porém, que alcançou a região do Mistério do Ser conseguiu obter a firmeza inabalável da fé. “Toda fé autentica está enraizada no Ser e no Mistério” (GIORDANI, 1976. p. 126). O individuo se realiza enquanto individuo à medida em que afirma a transcendência de Deus e sua própria condição de criatura de Deus. A fé se converte, pois, no ato ontológico mais importante e mais criador. A fé implica em testemunho continuo. Pelo testemunho, prendo-me a mim mesmo com toda a liberdade. Não há problema de Deus (expressão rejeitada por Marcel como sacrílega): o que implicaria em tratar-se de Deus como ausente, como puro objeto. Não falamos de Deus, mas com Ele. A união com Deus é a santidade. Deus é presença absoluta: “Deus só me pode ser dado como presença absoluta na adoração; todo o conceito que formo d’Ele é só uma expressão abstrata, uma intelectualização desta presença” (GIORDANI, 1976. p. 126-27). O Deus de Marcel, por assim dizer, não é nem um objeto suscetível de demonstração objetiva (racionalismo) nem uma mera função (subjetivismo), mas “o Indemonstrável Absoluto”.

Marcel escreveu que “desde que se fala de Deus, não é mais de Deus que se fala” (Dès qu’on parle de Dieu, ce n’est plus de Dieu qu’on pearle) (GIORDANI, 1976. p. 130). Tal fórmula resume, talvez todo o subjetivismo com que Marcel encara o problema de Deus. Segundo Sciacca: Marcel se vê obrigado a dizer com Barth que a teodiceia, como tal, é sacrílega e atéia. Que Deus não tem uma essência, mas é pura existência; que não existem provas racionais da existência de Deus, etc.

Marcel e Jaspers; Vemos claramente que a filosofia de Marcel encontra semelhança com de Jaspers na sutil análise que ambos fazem sobre a situação espiritual do homem na importância que ambos dão ao problema da comunicação com o próximo. Jaspers e Marcel empenham-se em unir existência e transcendência, embora a transcendência permaneça, as mais das vezes, na sombra. Mas a filosofia de Marcel difere da de Jaspers, pois enquanto que esta leva a um fracasso trágico, aquela nos transporta a um mistério ontológico que pode ser considerado ante-sala da fé cristão. Em suma, Marcel, como Jaspers e Heidegger, julga poder descobrir a estrutura geral do ser com base em uma descrição de uma existência individual e concreta.

Após essa tentativa de exposição de algumas das principais ideias de Gabriel Marcel, vamos concluir este estudo com a apreciação da História de la Filosofia de Klimke – Clolomer: “La grandeza y al mismo tiempo la universalidad del pensamiento marceliano estriba en que ha repetido en sí mismo y revelado al hombre de hoy la experiencia fundamental del ser humano. el drama de nuestra existencia es el drama de un encuentro personal entre em Tú y uno Yo, en drama cuya terrible grandeza sube de punto, por el hecho de que el Tú por su Transcendencia envuelve al yo y le sobrepasa. En este drama singular el hombre se lo juega todo entre um sí y un no, entre la fidelidad y la infidelidad, el amor y el odio. Pues, para decirlo en uma frase que compendia toda la experiencia marceliana, el hombre es um ser al que há sido dado el poder único de afirmarse o negarse, según que afirme el Ser y se le abra, o lo niegue y, con ello, se cierra em sí mismo: he ahí el dilema que persiste siempre como la esencia de su libertad” (Klimke-Colomer, p. 846).

Bibliografia

GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao Existencialismo. Rio de janeiro, Freitas Bastos, 1976.
KLIMKE-Colomer. História de la Filosofia (3ºedición). __ Editorial Labor, S. A., 1961.




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